Arquivo | dezembro 2012

Noitário II – Crônica notívaga de um escrevinhador curioso

Noitário II – Crônica notívaga de um escrevinhador curioso

A vocação econômica de Ibotirama

            A insonolência tem a faculdade de me levar à reflexão. No fim da jornada diária, o sono não chega, o pensamento entra em ebulição e vêm à tona os mais diversos assuntos despejados pala batelada de informações do dia que se finda. Nessa noite afluiu, mais uma vez, à mente a ideia de registrar no meu “Noitário” o tema da meditação notívaga que versa sobre a “vocação de Ibotirama”. Meu juízo ainda estava poluído pela reverberação do som estrondeante do espocar de foguetes e o barulho, de altíssimos decibéis, dos carros de propaganda da campanha eleitoral recém-finda.

Deitei-me a matutar sobre a decisão que tomei, ainda na minha juventude, de não participar de processo político-eleitoral. Firmei esse propósito ao constatar, desde então, que a democracia passa ao largo nas disputas pelo comando de prefeituras de cidades do porte de Ibotirama. Geralmente, o candidato que sai vitorioso nessas disputas não é o que apresenta as melhores propostas, o mais capaz, o mais honesto, o mais popular, e sim, o que detém o maior número de “votos de favor”.

Desde aquela época, presto a minha modesta contribuição à comunidade no campo da política social, da educação e da cultura (esta última que é a minha causa de vida). Como observador atento, venho percebendo, com pesar, a estagnação da população do Lugar, na casa das duas dezenas de milhares de almas. Praticamente a mesma população do início da década de noventa do século XX. Se somarmos os ibotiramenses residentes em Barreiras, Luiz Eduardo, Salvador e São Paulo, é possível que empate com o número dos moradores atuais da Cidade. Talvez a lei de causa e efeito possa explicar por que Ibotirama perdeu o Campus da Universidade Federal do Oeste da Bahia para Barra e Bom Jesus da Lapa.

A cidade de Barreiras ficou conhecida através da soja; Lapa é vocacionada para a romaria; Itaberaba é a terra do abacaxi; as cidades da Chapada Diamantina exploram o turismo. Muitas cidades do oeste desenvolvem a pecuária. E sempre me vinha a indagação: qual é a vocação econômica de Ibotirama? O que o nosso município produz? Essa pergunta me encafifou desde a época em que me eximi de participar do processo político-eleitoral.

Em certo dia, lá se vão quarenta anos, olhei para a abundância das águas do Velho Chico, levantei as vistas para o Morro Pelado e me veio à mente, de repente, a ideia de que seria possível unir aquelas duas potencialidades na busca de um futuro melhor para os moradores do nosso município. O imaginado era enfiar uma adutora do Rio para o Morro e, de lá, distribuir a água para irrigar a terra. A “vocação de Ibotirama” poderia estar na irrigação. Venho transmitindo essa ideia, teimosamente, ao longo desse tempo, a cada prefeito eleito do município. Jamais fui levado a sério. Desconfio que todos eles nem se lembrem mais de terem ouvido de mim essa conversa, tal a pouca importância que deram ao fato, talvez por eu não ter nenhuma formação no campo da Engenharia.

Isso me remete sempre à teimosia do escritor paulista Monteiro Lobato. Formado advogado, ele se tornou um ícone na defesa da exploração petrolífera no Brasil. Enquanto as autoridades faziam ouvidos de mercador, o escritor batalhou, sem nunca desistir, para mostrar que o país tinha potencial no setor e que o petróleo poderia dar ao povo brasileiro um melhor padrão de vida. Fundou diversas empresas na tentativa de encontrar o “ouro negro”. Em vão. Cunhou a expressão “O petróleo é nosso!” Foi preso pela ditadura do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. E morreu antes de ver seu sonho realizado.

Continuo alimentando a esperança de que algum mandatário da Cidade vá ao Bairro Alto do Cruzeiro, que já imbica no pé do Morro Pelado, olhe para aquela crista e exclame: “a irrigação é nossa!”. E espero que seja bem antes de Ibotirama se transformar numa “Itaoca” e eu num “João Teodoro”, do conto “Um homem de Consciência”, de autoria do escritor Monteiro Lobato.

Isso é para se pensar.

 

Salvador-Ba, noite de 05 de novembro de 2012.

Carlos Araujo

 

Noitário I – Crônica notívaga de um escrevinhador curioso

Noitário I – Crônica notívaga de um escrevinhador curioso

Ibotirama e seus umbigos culturais

            O travesseiro tem o condão de me chamar à reflexão. No fim da jornada diária, quando encosto a cabeça nesse companheiro de longa vivência, o pensamento dispara e vêm à tona os mais diversos assuntos despejados pala enxurrada de informações do dia que se finda. Foi assim que me veio a ideia de registrar uma parte dessa meditação notívaga em escritos que vou chamar de “Noitário”. O assunto filtrado por minha mente nessa noite foi a cultura de Ibotirama, por conta da leitura virtual, no “Grupo Festival de Música Popular de Ibotirama e Festival de Poesia”, de acirradíssima discussão sobre os rumos dos festivais de nossa Terra.

Meu labor cotidiano, de longa data na área da cultura – que é minha causa de vida -, fez-me perceber que, no caso de Ibotirama, o grande vilão, causador de todas as suas mazelas, tem um nome próprio: umbigo! O egocentrismo e a vaidade reinam com absoluta soberania nesse campo de atuação em nossa cidade.

Tenho assistido e participado de inúmeros eventos culturais em Ibotirama, ao longo dos anos, que tiveram apresentações artísticas de diversos segmentos culturais do lugar e, invariavelmente, tudo se passa, na maioria das vezes, da seguinte forma: é chamado o primeiro artista a apresentar sua obra. Finda a apresentação, recebe os aplausos, olha pro seu umbigo, reúne a sua trupe e sai de mansinho. Vem o segundo, o terceiro, o quarto… e sempre o procedimento é no mesmo diapasão. O último a mostrar seu trabalho, geralmente, só tem como plateia o seu próprio grupo familiar.

Em 18 de março de 2004, um grupo de meia centena de artistas se reuniu no Colégio Modelo e criou a ACARI – Associação de Cultura e Arte de Ibotirama. A partir da primeira reunião da entidade já começaram as desavenças. Quando um companheiro não comungava das ideias de outro, olhava pro seu umbigo e abandonava o barco. No decorrer de todos esses anos, os mais diversos motivos foram alegados para afastamento da Associação. Atualmente, a ACCARI, que possui um patrimônio de meio milhão de reais, é declarada de utilidade pública, foi premiada pela Secretaria da Cultura do Estado da Bahia, toca a Biblioteca Damião Dantas, com mais de sete mil volumes, é conduzida, a duras penas, mas com entusiasmo, por apenas quatro obstinados associados. Isso sucede porque as questões políticas, religiosas, econômicas e pessoais estão muito acima do amor e do respeito à cultura, no conceito da maioria de nossos artistas.

Observo que a cultura em Ibotirama é praticada em grupos, subgrupos e individualidades estanques, que não se comunicam, não se unem, muito menos comungam dos mesmos ideais. As críticas depreciativas são usadas amiúde no meio cultural de nossa cidade. O elogio e incentivo é algo muito raro nas nossas práticas.

A bem dizer, isso não é uma característica só nossa. Não devemos nos esquecer que nas altas esferas culturais do nosso país esse costume abominável vem de longa data. Conta-se que Raul Pompéia, autor da obra-prima “O Ateneu”, suicidou-se aos 32 anos por conta de artigos de autoria de Olavo Bilac e Luiz Murat, que continham insinuações de que ele seria um homossexual. O mesmo Olavo Bilac desdenhou Augusto dos Anjos, quando da sua morte. Por ironia do destino, este superou aquele e hoje é o poeta mais lido na internet. Na área musical, os próceres da MPB abominavam a Jovem Guarda, os tropicalistas não se davam com os artistas da Bossa Nova.

Verdade seja dita, houve um momento em que toda classe cultural ibotiramense se uniu num só propósito. O milagre se deu em 30 de maio de 2009, com a realização do I Fórum Cultural de Ibotirama, que foi fundo nas questões culturais da cidade; tinha o propósito de se tornar permanente e estava comprometido na organização da Semana da Cidade. Ali foi assinado um “Termo de Compromisso com a Cultura de Ibotirama” para fazer com que o Festival de Música Popular de Ibotirama voltasse a ser digno de sua importância e respeito.

Não se passaram noventa dias e todo trabalho foi por água abaixo. Em agosto, o senhor prefeito municipal, o umbigo-mor, sentiu ferida a sua vaidade e, em seu discurso de encerramento do Festival, desautorizou o I Fórum Cultural de Ibotirama, e terminou sua fala ( em alto e bom som ) com a sentença de morte do movimento dos artistas tão arduamente costurado: “em 2010, eu vou fazer o meu Festival”. E fez.

Isso é para se pensar.

Carlos Araujo

Noite de 10 de novembro de 2012